Antônio Obá fala sobre sua trajetória e a mostra “Carnagem” que abre neste sábado na Galeria Arte XXX.

Pintura e performance.

Divulgação.
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A mostra Carnagem, de Antônio Obá, tem abertura neste sábado (22 de outubro), às 19 horas, Na Galeria Arte XXX (Jardim Botânico) e permanece aberta para visitação previamente agendada até o dia 12 de novembro. A exposição tem curadoria de Rogério Carvalho, que aborda o trabalho de Obá:

“A mostra de Obá está diretamente relacionada às questões da africanidade associadas ao imaginário religioso brasileiro e seus vínculos com a sexualidade humana, a violação carnal e a temporalidade da vida.

Obá é rito. Por meio de leituras, de notícias cotidianas, do estudo científico e místico sobre o ser humano, promove um olhar diferenciado e inesperado sobre a memória imagética da religião cristã e sobre a transposição de gênero. É natural que surjam questionamentos na sequência de uma apreciação mais apurada: Quais as significativas diferenças entre masculino e feminino? Existem? O catolicismo foi cruel com a afro-brasilidade?

Obá é ator e personagem. É pintor e representado. É homem e apresenta a mulher. Suas obras são espelho de sua vida. O carvão, as velas negras e o fogo são extensão de sua pele. O ouro é seu sangue, quer vermelho ou dourado.

Obá garante reflexão acerca das dimensões estéticas, artísticas, históricas e poéticas desta temática há quase 11 anos. Serão apresentados 17 trabalhos em técnica mista sobre lona ou tela e no dia da abertura da mostra, haverá o desenrolar de uma performance que apresentará aos visitantes toda a sua poética.”

Performance.
Performance.

O artista conversou com o Acha Brasília e falou sobre seu processo de produção e outros trabalhos em que está engajado. Confira:

Acha – Como surgiu a ideia da mostra?

Obá – “A exposição, na verdade, reúne um fragmento de uma pesquisa que mantenho. Tem a ver com uma história do corpo. O corpo e como este é ressignificado em ritos e situações sociais. Daí expor pinturas e fazer performance também. Isto acaba se aproximando muito com a ideia do sacrifício. Um sacrifício ampliado e problematizado em situações histórico-sociais que dialogam com a história do Brasil. Eu acabo problematizando o corpo negro. A performance e os desenhos abordam diretamente essa ritualidade (que envolvem tradições cristãs e afro-brasileiras) e aspectos históricos que evidenciam uma problemática racial.”

Acha – Como é a transposição destes fundamentos para a pintura e performance?

Obá – “A performance foi em parte pensada a partir de uma imagem fotográfica de Luiz Morier, datada de 1983, intitulada “Todos negros”. Eu já vinha pensando uma obra que consistia num grande nó cego. Uma metáfora às coisas, ainda insolúveis, em um âmbito social.”

Acha – Forte isto!

Obá – “Um nó na garganta, um nó cego… E esta repetição de fatos que apertam ainda mais certos nós. Como uma ladainha cruel. Os nós. E nós enforcados nesses nós. Nós. Daí o nome da performance: ‘Um rosário de nós.'”

Acha – Esta aproximação entre arte e ritual vem de onde?

Obá – “Minha família é muito religiosa. Cresci envolvido na ritualística católica. É um imaginário extremamente rico e familiar pra mim. Fora isto, tenho uma inclinação para rituais e esta relação que os mesmos estabelecem com o corpo, enquanto representação e transfiguração do mesmo. E sua relação quase erótica com isso também. Envolvem muitas questões de interdição e perversão que, ao meu ver, colocam-se em antíteses, valores díspares dialogando em um mesmo espaço, em um mesmo corpo.”

Acha – E como você chegou ao curador (Rogério Carvalho) e a galeria (Arte XXX)?

Obá – “Foi a convite do mesmo. Acho que através de umas obras minhas que foram expostas na exposição “Onde Anda a Onda”, na qual eu estava com o pessoal do Elefante Centro Cultural.”

Acha – Você circula bem pelas galerias independentes e ao mesmo tempo ganha prêmios.

Obá – “Sim, sim… Na verdade, envolve muito trabalho crença e gosto no que você está fazendo. Tenho me debruçado muito na pesquisa e produção com o tempo que me fica ‘livre’, fora de minha atividade de professor.”

Acha – A vida de artista e educador, sempre temos que nos desdobrar em atividades simultâneas.

Obá – “Pois é. Não reclamo. Consigo conciliar e fazer as obras no meu tempo. Isto é importante. Não creio que eu tenha uma produção frenética, mas tenho uma pesquisa latente.”

Acha – Seu trabalho já é o tempo também.

Obá – “Sim! E isto toma um tempo grande. Sou meio matuto, tenho me condicionado a ficar no atelier, quando tenho um tempo livre. Outra coisa importante é o diálogo com outros artistas. A troca entre artistas, curadores, pessoas que acabam contribuindo.”

Acha – Muito bacana você enxergar sua trajetória também a partir de outrem.

Obá – “E sempre tentar deixar a obra circular. Participar de editais, salões, escrever projetos em conjunto e ir se virando pra obra não estacionar.”

Acha – Como você faz isto?

Obá – “É ficar atento aos editais. Seja individual ou coletivo, e ter a sorte de estar num grupo de artistas onde a energia flua bem. Cada um tem consciência de suas questões e projetos, o que torna a relação madura, sem entraves que prejudiquem.”

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Acha – Algum projeto coletivo rolando?

Obá – “Sim! No dia 20 de outubro foi aberta uma exposição coletiva que estou participando com mais quatro artistas, lá na CAL (Casa de Cultura da América Latina)”.

Acha – Você ganhou um prêmio.

Obá – “Foi na 2ª edição do Salão Transborda, com uma performance. Para ver essa coisa do tempo: Fiquei pensando a performance durante um ano.”

Acha – Nossa! Eu bem sei. E a coragem de fazer…

Obá – “Não só a coragem de fazer, mas principalmente o que ela queria me dizer. A imagem toda me veio de uma vez e tinha de ser em uma performance. Isto era certo. Fiquei um ano, querendo ouví-la. E claro, não a fiz pensando em edital algum. Em uma saída para comprar uns materiais, ela se amarrou toda. Daí, o resto foi tranquilo, eu sabia exatamente o que queria com ela (Claro que realizá-la foi uma surpresa, sempre tem algo que escapa), mas eu estava muito seguro em relação a ela.”

Acha – Parece muito espiritual. Há elementos de incorporação que remetem ao que acontece em rituais religiosos, mas você provoca um deslocamento para espaços consagrados à arte. Existe um transe?

Obá – “Sim, é uma obra que ganha muitas raízes. Ela alcançou coisas que eu somente especulava. Para mim é exatamente um ritual. Não me preocupo e saber se há um transe, ou não. Agora lido com tradições que por si só, têm uma potência de representação que as colocam nem um campo de delicadeza e força pelas emoções que suscitam. Isto é sentido. E como admirador de rituais, pratico essa vivência. Tenho um respeito muito grande por ela. Me preparo, preparo meu corpo pra realizá-la.”

Acha – E o que prepara para a abertura?

Obá – “As pinturas que serão expostas foram feitas no período que foi divulgada a notícia da garota que foi estuprada por 33 rapazes, no Rio. Fiquei pensando neste corpo-objeto, elevado a um pedaço de carne que não precisa ter vontade, não precisa nem estar acordado, basta ter um orifício. E claro, isto também é um reflexo social. Este pedaço de carne que somos e que, por vezes, desconhecemos.”

Acha – Há questões de gênero envolvidas no processo?

Obá – “Sim! Tenho umas diretrizes nas obras que faço: Estão sempre falando de um corpo erotizado, ritualizado e socializado, e as deformações criadas por estes sistemas. Quando 33 jovens se reúnem nas chamadas “festas do bolo doido”, onde garotas acreditam que sua popularidade é validada pela quantidade de parceiros sexuais que elas têm em uma noite, onde seu corpo é colocado em jogo, bem, isto é um tipo de ritual. E isto não é um fato isolado. Algo está sendo pregado aí. Na exposição da CAL, a obra tem relação com isto.”

Antônio Obá pode ser visto em duas mostras em cartaz em Brasília:

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Serviços: Carnagem – Mostra individual
Abertura: 22 de outubro (sábado), às 19 horas
Visitação agendada até dia 12 de novembro
Local: Galeria Arte XXX (Condomínio Verde, Rua Sucupira, Casa 23 – Jardim Botânico)
Informações e agendamentos:(61) 99230-6980.

Entre – Mostra coletiva com Antônio Obá, César Becker, Gabi, Marcos Antony e Thiago Pinheiro
Visitação: Até 20 de novembro, todos os dias, das 9 às 19 horas
Local: Galerias CAL, Acervo e de Bolso da Casa da Cultura da América Latina (SCS Quadra 4, Edifício Anápolis)
Informações: (61) 3321-5811
Entrada franca
Classificação indicativa: Livre.