Farnese de Andrade e Martins de Melo ganham mostras no Museu Nacional.

De 25 de junho a 4 de agosto.

Formação de um Pensamento, 1977 Assemblage ex-voto, madeira, resina e gamela. Farnese de Andrade. Foto: Sérgio Guerini.

Reconhecido por inserir a capital do Brasil no circuito internacional de artes visuais, o Museu Nacional da República exibe, a partir de 25 de junho, exposições simultâneas de Farnese de Andrade e Thiago Martins de Melo. Com curadoria de Denise Mattar, ambas resultam da parceria entre o Museu brasiliense com as galerias paulistanas Almeida e Dale e Leme/AD. A iniciativa faz parte de um projeto itinerante das Galerias, que visa a levar mostras de artistas renomados para diferentes regiões do País.

“É com muita satisfação que os levamos [Farnese e Martins de Melo] ao público brasiliense. São artistas de gerações e linguagens diferentes, mas igualmente importantes para história da arte brasileira”, afirma Antonio Almeida, sócio-diretor da Galeria Almeida e Dale. “Essa itinerância fortalece nosso compromisso de democratizar o acesso e a democratização da cultura”, completa Eduardo Leme, sócio-fundador da Galeria Leme/AD.
O Anjo Anunciador, 1976, Assemblage base de madeira sobre porta de móvel policromado, ex-votos e fragmento de cabeça de anjo. Farnese de Andrade. Foto: Sérgio Guerini.

Farnese de Andrade – Figura de singular trajetória nas artes plásticas brasileiras, Farnese de Andrade é autor de uma obra potente, que toma o observador por sua força e fragilidade, ao mesmo tempo em que o perturba com certa morbidez. Reunindo obras de coleções particulares do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco, a exposição Farnese de Andrade – Memórias Imaginadas oferece ao público uma rara oportunidade para a apreciação de um conjunto integral da obra do artista. São mais de 100 trabalhos, entre pinturas, desenhos, gravuras e objetos que possibilitam um mergulho em seu mundo de fantasias construídas.

“Sua gravura é plena de texturas, cortes abruptos e contrastes de luz e sombra. Sem tirar a pena do papel, realizava compulsivamente os nanquins intitulados Obsessivos, de quase inacreditável precisão”, afirma Denise Mattar. Para realizar seus desenhos em cores, Farnese desenvolveu ainda uma técnica refinada que chamava de “tinta transformada”, com um resultado que os aproxima da pintura. “São trabalhos densos, ambíguos, permeados por uma sensualidade perversa e imersos numa sufocante ourivesaria visual”, completa a curadora.

Em 1964, o artista, que já era reconhecido e premiado pela qualidade de seus desenhos e gravuras, passa a desenvolver trabalhos aos quais chama de “impressão manual de formas”, técnica que consistia na criação de carimbos confeccionados a partir de madeiras carcomidas, sandálias velhas e apetrechos curtidos pelo sol e pelo sal, devolvidos pelo mar. A pesquisa desses materiais, até então utilizados como matrizes para a criação de gravuras singulares, acaba por conduzir Farnese a seus objetos.

Os Dias Felizes…, 1976-94, assemblage, oratório em madeira e fotografias sob resina. Farnese de Andrade. Foto: Sérgio Guerini.

O artista passa, então, a coletar fragmentos vários, encontrados num primeiro momento na praia e, posteriormente, comprados numa espécie de compulsão. Arrebatado por uma ânsia por capturar sua própria história e mergulhar em suas memórias imaginadas, aprisiona tudo aquilo que é coletado em caixas, gavetas, oratórios e semelhantes, criando assemblages que nunca são dadas por terminadas – processo interrompido apenas com venda das peças, o que o artista fazia a contragosto, recomprando-as por vezes.

“As assemblages de Farnese tratam de questões como a memória, o tempo, a vida e a morte, o masculino e o feminino, o pecado e o castigo. São combinações antagônicas de segredos e revelações, medo e malícia, delicadeza e crueldade. Ao mesmo tempo em que a finitude humana é escancarada por bonecas fragmentadas e cabeças suspensas no ar, a religião é questionada quando faz uso de ex-votos e santos paralisados, cortados, virados de ponta cabeça.”, diz a curadora.

A exposição apresentada no Museu Nacional da República lança luz às várias facetas desta produção singular, comparável à de artistas surrealistas como o alemão Hans Bellmer e o americano Joseph Cornell. São trabalhos de séries emblemáticas, realizadas entre 1966 e 1996, entre as quais O Anjo Louco (1986), Olímpica (1996) e Sebastião (1978/81).

“[Farnese] usa oratórios, caixas e gamelas como continentes de uma turbulência mental mórbida, cujo grito sai abafado. São trabalhos potentes, mas claustrofóbicos, que remexem sem dó nas entranhas do inconsciente e, por isso, fascinam, encantam, assustam e incomodam”, afirma Denise Mattar.

Martins de Melo. Foto: Filipe Berndt.

Thiago Martins de Melo – O cruzamento caótico de personagens e situações da história passada e presente do Brasil, pinçadas pelo olhar indignado e sarcástico de Thiago Martins de Melo, é o foco da mostra Necrobrasiliana, exibida a partir de 25 de junho, no Museu Nacional da República.

O neologismo que dá título à exposição associa o termo necro, que em grego significa morto, à palavra Brasiliana, que designa uma coleção de obras artísticas ou científicas tendo o nosso País como tema, e também à necropolítica, conceito criado pelo sociólogo camaronês Achille Mbembe, enfatizando que o poder dominante é sempre o responsável por ditar as regras de quem deve viver ou morrer.

A partir desse ponto de vista, o artista maranhense reflete sobre os legados históricos do Brasil, mostrando como a morte, a injustiça e a violência são exercidas há quinhentos anos sobre os mais fracos e como essa mesma arbitrariedade se desdobra no presente.

Aludindo à avalanche de informações da era contemporânea, Thiago Martins Melo extrapola a bidimensionalidade da tela e cria pinturas densas, formadas por diversas camadas, às quais também sobrepõe outros tipos de materiais. Suas crônicas exaltadas são potencializadas nas telas de grande formato, que mais parecem muros pelo uso deliberadamente excessivo da tinta.

Nelas se mesclam imagens emblemáticas da iconografia brasilianista, como os índios de Eckhout, Theodore de Bry e Debret, com outras imagens igualmente emblemáticas de um passado recente, a exemplo do retrato de Marighela, o carnaval proibido de Joãozinho Trinta, o rosto de Luzia [fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul] ou, ainda mais atuais, as manifestações de 2013 e a truculência da polícia. Resistências e decadências, simbologias e personagens, espiritualidade e sincretismo se engalfinham nesses muros assombrosos.

“Sejam esculturas, instalações, vídeos ou pinturas, as obras de Thiago Martins de Melo se constroem no excesso, em camadas de imagens intensas, sempre conectadas ao extermínio e às problemáticas enfrentadas pelas minorias. Por isso, seu trabalho causa impacto, não apenas pelas grandes dimensões e temas retratados, mas, também, por sua exuberância formal”. afirma Denise Mattar.

Martins de Melo. Foto: Filipe Berndt.

Farnese de Andrade – Memórias Imaginadas
Necrobrasiliana, de Thiago Martins de Melo
Museu Nacional da República (Lote 02, SCTS próximo à Rodoviária do Plano Piloto)
Visitação: De 25 de junho a 4 de agosto
De terça a domingo, das 9:00 às 18:30
Telefone: (61) 3325-5220
Entrada franca.