A exposição “Natureza Viva Artes Visuais – Ambiente Cerrado” é programa imperdível na Funarte.

Até 30 de novembro.

Nina Coimbra. DiVulgação.
Nina Coimbra. DiVulgação.

O projeto Natureza Viva Artes Visuais/Ambiente Cerrado apresenta obras de arte que se integram à natureza do Cerrado, o projeto leva ao público uma exposição sobre o processo de criação de nove artistas, atuantes na região Centro-Oeste e familiarizados com a vegetação do Cerrado, que foram selecionadas por uma curadoria formada pela Fundação Nacional de Artes – Funarte/MinC.

As obras de arte, em formato de bancos, foram criadas por Bené Fonteles, Carlos Lin, Cecília Bona, Felipe Cavalcante & Pedro Ivo Verçosa, Ligia de Medeiros, Lourenço de Bem, Nina Coimbra e Yana Tamayo, a partir de diferentes fontes de inspiração.

Além de servir como um ambiente de descanso e contemplação nos arredores da Funarte Brasília, a ideia é que os bancos-esculturas também estejam integrados à natureza. Para isso, cada artista propôs um conjunto paisagístico com plantas e árvores típicas da região, como Cagaita, Ipê Roxo, Ipê Amarelo Peludo, Ipê Branco, Jatobá, Jacarandá Mimoso do Cerrado, Araçá, Chicha, Jenipapo, Jabuticabeira, Landim, Quaresmeira, Araticum e Pequizeiro, entre outras.

O projeto conta, ainda, com uma exposição na Galeria Fayga Ostrower, que ficará aberta ao público até 30 de novembro (terça a domingo, das 10h às 21h), com entrada gratuita. Através de vídeos, fotografias e textos explicativos, os visitantes poderão conhecer o processo de elaboração de cada obra, sua construção e fixação no terreno onde se encontra a Funarte.

Bené Fonteles.
Bené Fonteles.

A seguir, a relação das obras (bancos-esculturas) descritas pelos próprios autores-artistas participantes:

Banco para contemplação
Bené Fonteles

Proponho um banco de cimento, cuja parte a servir de assento é feita de madeira do Cerrado reaproveitada de podas e que pode ser do piqui, copaíba, jatobá ou outras origens. Estas placas serão incrustadas no corpo do banco por parafusos e poderão ser renovadas com o passar do tempo. No meio do banco – entre os assentos – está uma pedra retangular com furo que servia como engenhoca de moer grãos com a pedra mó. Nos arredores serão plantados ipês roxos, amarelos e brancos, piquis e arbustos do Cerrado.

Minha intenção é que, depois de 25 anos morando em Brasília e desde 1981 vivendo no Cerrado de Mato Grosso ao DF, e que liderando o Movimento Artistas Pela Natureza (que em 1988 lançou a campanha em defesa do bioma e criou a “União dos Seres do Cerrado”), esta obra possa chamar atenção para dois aspectos: um, a convivência harmônica, artística e cultural com a natureza cerratense; e outro, a valorização do trabalho arcaico e humano no chamado ‘ermo goiano’ posto ao redor do Distrito Federal, mas tão desprezado por um pretensa “civilidade brasiliense” que sempre tratou com pejorativos os “goianos”, como aos “baianos” nordestinos, todos nossos candangos, os construtores e mantenedores de uma rica e diversa cultura natural e espiritual.

Entre o céu e a terra
Carlos Lin

A obra de Carlos Lin faz referência a tradições que caracterizam a natureza e a cultura do Planalto Central do Brasil. A primeira delas está vinculada à própria paisagem natural do Cerrado, com as vastas áreas cobertas por terra vermelha, rica em minério de ferro, e o céu infinito salpicado de azul e branco dos chapadões. A segunda tradição diz respeito ao uso do ladrilho hidráulico, como marca da presença colonial portuguesa na região do Centro-Oeste brasileiro. Ao mesmo tempo em que, na obra, há o resgate de heranças antigas da identidade cultural brasileira do interior caipira, há também um vínculo ao momento contemporâneo, numa confirmação da atualidade, seja pela manutenção da radicalidade geométrica, aos moldes da tradição modernista da arquitetura de Oscar Niemeyer, inscrita na paisagem urbana de Brasília, ou na opção pela construção modular, ocupando o espaço a partir do uso de matrizes semelhantes e justapostas, como nas composições de Athos Bulcão. Entre o céu e a terra constitui-se de uma plataforma associada ao piso de cimento queimado vermelho, como marca tradicional da construção de casas simples da região, sobre o qual se assenta um monólito revestido em todos os lados com variações de azul e branco, criando figurações de céu com nuvens. Sentar-se sobre nuvens no céu debaixo do céu. Talvez esta seja uma experiência radical de imersão na paisagem!

Topografia para o cosmos
Cecília Bona

Topografia para o cosmos consiste numa cratera artificial de seis metros de diâmetro, construída para observar o céu. A alteração do relevo local contrapõe a paisagem plana de longos espaços gramados e a percepção do olhar, habituado ao horizonte, proveniente da amplitude característica da cidade modernista.

Um espaço/abrigo que se torna um convite à apreciação do monumental céu da capital. Para aqueles que ousarem explorar o espaço interno da cratera, um assento de concreto oferece aos observadores um descanso.
Dois pontos de vista são possíveis na obra, o ponto baixo é refúgio e o ponto alto é vigília. O primeiro elimina o espaço do plano terrestre, o segundo amplia esse mesmo espaço.

Como um eclipse do habitual que se situa na linha do olhar horizontal, a obra propõe ao observador uma imersão numa outra possibilidade de percepção espaço-temporal, numa suspensão momentânea que permite a contemplação do espaço aberto e infinito. Tudo se transforma quando nos dispomos a habitar de outra forma o cotidiano. Seguiremos pequenos diante do céu, no entanto, poderemos contemplá-lo em sua plenitude.

Observatório de astros
Pedro Ivo Verçosa e Felipe Cavalcante

Para o projeto Natureza Viva, apresentamos um banco-painel que sugere um momento de ócio, um espaço que permite momentos de paragem e onde é possível alimentar a preguiça. Um mobiliário urbano proposto para interação aberta onde se entende que a escala gregária coexiste com a bucólica em interesse recíproco.

É estimulada a observação do cosmos como reflexão sobre o olhar rotineiro. O banco posto em espaço aberto sob o céu de Brasília observa o tempo das árvores e das nuvens; o que está próximo e o que é inalcançável e imaginativo. Reconhece-se aqui uma condição de cegueira na cidade sob influência de automações funcionais que facilitam movimentos, mas apagam arredores em repetição constante.

Este projeto chama atenção para uma questão muito própria à Brasília, cidade ainda em formação, cuja construção e identidade se desenvolvem em paralelo à vida dos candangos. Como diálogo entre árvores nativas do cerrado e o banco, propõe-se o plantio de árvores frutíferas ao seu redor, com o intuito de que seus frutos sejam disponíveis para os transeuntes e caminhantes, servindo também como referencial de passagem da seca.

O material escolhido para construir o painel é um conjunto de nove modelos de ladrilhos hidráulicos; desenhos cuja montagem é irregular; variantes de três moldes de ferro pigmentados manualmente. O cimento/concreto colocado na paisagem mais uma vez, em composição geométrica e horizontal, tal qual a concepção da cidade, onde são empregados tons terrosos, remetendo à terra nativa na qual foi erguida a capital.

Banco dobradura
Ligia de Medeiros

Tempos atrás, ao pesquisar sobre alguns concretistas brasileiros, eu soube, admirada, das tentativas e ensaios feitos por Franz Weissmann (um artista austríaco-brasileiropara imaginar suas esculturas. Elas começavam como obras de papel, dobraduras em tamanho reduzido, e só então eram passadas para a escala real e construídas em metal.

O português Joaquim Tenreiro, um dos principais marceneiros-artistas responsáveis pelo então seminal design da movelaria brasileira, desenhava livremente as peças e depois – apenas depois – media as proporções que seu senso estético lhe havia inspirado. São lições que guardo há anos e gosto de aplicar no meu trabalho.

Em algum momento, experimentei essas receitas em um banco: fiz várias dobraduras de papel, em escala reduzida, e os ângulos do assento iam se definindo à medida que o papel era dobrado – sem haver nenhum ângulo reto. Ensaiei várias formas antes de guardar as preferidas em uma caixa no fundo do armário, onde ficaram por um bom tempo. Quando surgiu o projeto Natureza Viva, da Funarte, foi só pinçar a dobradura que mais se parecia com o assento do banco imaginado. Depois veio a base: o mesmo desenho do assento passeando por baixo dos ângulos que ele sustenta.

Este processo também ilustra a riqueza de outro dos meus aforismas prediletos: não despreze nenhuma ideia, por mais simples que pareça. Se ficar registrada em algum lugar, um dia a ideia posta de lado ganhará vida quando a mente retomar o fluxo criativo temporariamente suspenso, não importa por quantos anos. O momento da redescoberta, desse reencontro, me faz vibrar. Em geral, a sensação é a de “como não percebi isso antes?”

O banco concebido chamou-se Dobradura, mas virou também Namoradeira por uma razão óbvia: o assento cheio de ângulos favorece um contato tête-à-tête entre as pessoas que o usarem, coisa que o banco de assento linear não permite.

Meu desenho original estava acanhado para um espaço tão amplo, e fui espichando-o: os dois metros passaram para dois e meio e terminaram em três metros e vinte. Também engordou de ponta a ponta; os 35 cm iniciais viraram 45 cm. Imaginei-o como uma cobra sinuosa passeando pelo Eixo Monumental, uma cobra namoradeira cheia de dobras!
A exigência do concreto armado pela organização do projeto foi perfeita; era o material natural para o que se pretendia. A conjugação do concreto com a vegetação conduz a uma parceria muito “brazileira” – a modernidade tropical. O concreto nu, sem o elemento orgânico, é pobre e feio. Com o verde, ele se transmuta, levando a um acasalamento de materiais e intenções…

Oxalá possa eu um dia ver crianças em algazarra brincando ali; os piqueniques familiares aos domingos; e, ao entardecer, os namorados se amando noNamoradeira sob os cachos de pequizeiros em flor. A cena faz parte das divagações sobre a minha cidade ideal…

Pedras
Lourenço de Bem

A proposta é criar um ambiente com onze bancos em formato de pedra, com o propósito de não alterar as características originais do terreno no qual serão instalados. Parte-se da ideia de não alterar a topografia do local, mas agregar valor estético à paisagem. O artista teve a preocupação com a questão da praticidade na manutenção e o trato das peças, o objetivo é que as obras não impeçam ou dificultem a limpeza e os cuidados com o gramado do espaço.

Tem-se ainda como objetivo criar um ambiente que cause estranhamento e curiosidade no público. A função da obra não é decorativa ou óbvia, mas exige do fruidor um questionamento quanto à sua finalidade. Esse projeto permite a interatividade do público e a disposição dos bancos foi pensada para que o usuário posicione-se de frente para o outro, proporcionando a convivência direta. O desenho dos bancos é anatômico ao corpo humano de modo a permitir que as pessoas tenham conforto.

As peças serão chumbadas no chão para que não haja uma movimentação e/ou alteração na disposição das mesmas. Os bancos são feitos a partir de concreto armado e os materiais utilizados na confecção da obra são: garrafa pet, saco plástico preto, papel machê, tela de galinheiro, brita, areia e cimento.

PRISM
Nina Coimbra

O sistema de móveis modulares PRISM é uma criação da artista designer Nina Coimbra. PRISM consiste em uma composição livre de bancos unitários em forma de losango. O losango, símbolo sagrado invocado por Pitagóricos em seu juramento, expressa a reflexão da alma na natureza e como as potências espirituais do homem se traduzem em ações eficazes e úteis. Design é a arte do útil e aqui se expressa com sua forma essencial.

A característica modular da série permite que as peças sejam compostas com diversas configurações, produzindo uma variedade de desenhos pelo alinhamento e empilhamento. Através do empilhamento, cria-se o encosto para os assentos de base; alinhando-os, cria-se espaço para o descanso na horizontal.

As formas são intercaladas e penetradas pelas suas frestas com a vegetação escolhida, própria do bioma cerrado. PRISM é uma representação do diálogo que surge com a nova capital: o contraste entre o concreto e a natureza torta.

A artista se interessa em ver o tempo agir sobre a peça. A vegetação que naturalmente quebrará as barreiras da geometria, as histórias que serão protagonizadas ali e as eventuais marcas de acidentes que marcarão o espaço como cicatriz.

Uma árvore de grande porte é essencial para criar sombra e a possibilidade de se utilizar o espaço nas horas mais quentes do dia. PRISM é uma espécie de oásis para os transeuntes que por ali passam. Quando visto de longe ou de cima, o banco remeterá a um padrão da geometria sagrada, como aqueles observados tanto em grandes quanto em microscópicos sistemas do universo.

Paisagem cambiante VI
Yana Tamayo

Paisagem Cambiante VI propõe uma paisagem composta de volumes de concreto ordenados sobre o espaço, espécie de topografia urbana. Criado a partir de uma série de trabalhos anteriores intitulados Paisagem cambiante, este projeto, realizado especialmente para os jardins da Funarte Brasília, busca pensar a cidade como espaço de constante mudança e reconfiguração, espaço de partilha e de composições transitórias. Poderíamos, assim, também pensar a cidade como espaço cênico em que se desenvolvem coreografias aleatórias entre as quais vivemos e transitamos. Composições sobre as quais intervimos sem saber, ou atuamos tropeçando entre seus elementos vivos.

A textura presente nos volumes de concreto é realizada a partir de moldes de caixas de papelão, relacionando-se diretamente com alguns trabalhos anteriores em que a arquitetura era questionada em seus propósitos mais ambiciosos – ser monumento, ser história sobre página em branco.

Em geral, caixas de papelão contêm aquilo que constantemente está em fluxo, e logo depois de servirem a este fim, são descartadas, matéria efêmera.Paisagem cambiante VI busca subverter, em pequena escala, as ideias comumente relacionadas à perenidade e sacralidade do volume arquitetônico monumental, ao oferecer uma cidade qualquer “não moderna” para ser escalada por pequenos gigantes, como espaço de descanso sob a sombra das árvores ou como singelas mesas de piquenique. Uma pequena “cidade qualquer” para ser vivida e experimentada em escala prosaica, mínima, porém, também a mesma escala das partilhas e proximidades cotidianas.

Lourenço de Bem.
Lourenço de Bem.

Serviço: Projeto Natureza Viva Artes Visuais/Ambiente Cerrado
Visitação: Até 30 de novembro, de terça a domingo, das 10h as 21h
Local: Galeria Fayga Ostrower e gramado do Complexo Cultural Funarte (Eixo Monumental, Setor de Divulgação Cultural, Brasília – DF – Entre a Torre de TV e o Centro de Convenções)
Entrada gratuita.