“Siron. Tempo Sobre Tela” é um doc fundamental com estreia em diversas plataformas

Estreia em 25 de março nos cinemas e plataformas Belas Artes A La Carte, Now, Vivo TV, Sky Play e Look.

Divulgação.

“Eu lembro mais das coisas que pintei do que das coisas que vivi”. Conta Siron Franco no documentário Siron. Tempo Sobre Tela (2019). Repleto de memórias, o filme é uma poesia que remete à trajetória do artista visual goiano, que abriu seus arquivos de vídeo para André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos, cuja delicada direção traz a intimidade fluida de um diário de artista.

O doc começa a ser esboçado em 2000, quando os diretores eram estudantes em Londres, ocasião em que Siron estava produziu telas inspiradas no bairro Soho. “O projeto inicial era registrar esse processo de criação, a convite da produtora Malu Campos e do Roberto Viana. E foi o que eu e Rodrigo fizemos obsessivamente, filmando cada quadro da primeira à última pincelada, os caminhos e desvios do processo criativo”, explica André, que define o filme como “uma tapeçaria do tempo”.

Com o tempo, a dupla teve acesso ao enorme acervo enorme de vídeos gravados pelo próprio artista ao longo de toda sua carreira, com início no fim dos anos 1960. Ao se dar conta da preciosidade que tinham em mãos, partiram para a captação de novas imagens no ateliê, em Aparecida de Goiânia, onde também entrevistaram o artista e visitaram lugares de sua infância. “Pouco antes de começarmos a montagem, Siron nos disponibilizou seu acervo de vídeos, material riquíssimo e inédito, cerca de 180 fitas VHS e Super-8 que ele filmou ao longo da vida, trabalhando nos diversos ateliês, fazendo experimentos de videoarte, viajando para a Europa e para o México nos anos 70 etc.”, contra André. 

“É como encontrar, por um lado, um mapa do tesouro” comenta André sobre o material em vídeo, “e por outro lado saber que isso vai te dar muito, muito trabalho. E nós decidimos ser obsessivos. Nós assistimos todo o material. Todo. Nos dividimos, e foi um processo de ir buscando o que a gente não sabia o que era.”, explica o diretor.

A produção traz pensamentos, memórias e revelações inéditas de uma personalidade inquieta de criatividade infinda. Ao percorrer a trajetória do artista de 73 anos, o filme atravessa distintas fases de sua vida, revela suas percepções sobre o próprio processo, suas viagens pelo mundo e como se envolve profundamente no que executa, além de seu engajamento com o meio-ambiente e os povos indígenas.

Siron Franco revela que lembra muito mais das coisas que pintou do que viveu. “A presença física de estar executando um trabalho, envolve o passado, o presente e o futuro. Quanto eu pinto, faço um exercício de liberdade de meu próprio pensamento”. Segundo o artista, é uma forma de não deixar o que fez no passado dominar o presente.

Neste passeio pelo tempo, as fronteiras entre realidade, memória e sonho criam uma figura peculiar que fundamentou sua própria carreira sem se preocupar com o mercado, a crítica, a academia e os colecionadores. Siron Franco revela sua versatilidade ao pintar, esculpir, ilustrar e desenhar, e sobretudo à liberdade de sentir e sonhar.

“Quando eu sonho todos os meus sentidos estão abertos, vejo tudo”. Conta. É assim que Siron explica a origem de vários quadros dos anos 1970, que nasceram de sonhos e pesadelos do artista, que tinha muito medo de sofrer tortura. São comuns seus processos de criação a partir de sonhos em que figuras o perseguiam. Durante a noite, ele lembra de tudo como se fosse um teatro. E nos anos 1970 e 1980, suas ideias eram de quem pensava em uma cena de teatro. Após fazer 70 desenhos, se deu conta da perda de tempo e começou a criar direto na tela.

O artista pontua que seu trabalho começa a nascer depois da exaustão, pois ele provoca essa exaustão trabalhando e o inconsciente entra, mas sua criação nasce no cansaço. “É o momento em que meus olhos cansados começam a ver outra coisa, vem uma inspiração”, afirma Siron.

Durante o documentário, o artista comenta sobre a experiência de fazer retratos e pinta um de Ferreira Gullar. “Ele parecia uma índia no começo. Eu fui pintando e ele se transformando”, diz Siron. O filme traz imagens desse encontro entre os dois artistas que falam sobre seus processos de criação e observação das obras de arte. Ferreira Gullar admite que considera Siron um dos maiores pintores brasileiros de todos os tempos, especialmente pelo fato de permanecer fiel às suas origens em Goiás. “Siron após ser famoso não quis mudar para outro país, ele é fiel ao povo brasileiro. Esse é o diferencial dele, e me dá uma alegria muito grande”, afirma Ferreira Gullar.

O filme fala ainda sobre o processo de criação do “Monumento das Nações Indígenas“; sobre a série “Em Nome de Deus” em que Siron comenta que eram pinturas soterradas por imagens como uma arqueologia ao contrário, uma experiência de vida e religião. Siron também comenta sobre uma série de obras que foi inspirada na tragédia com o Césio 137, um acidente nuclear em Goiânia. A criação aconteceu por conta da catarse gerada pelo acidente.

O documentário não segue a ordem cronológica dos acontecimentos e flui por épocas, meticulosamente trabalhadas na montagem de Danilo do Valle. “Ele é um grande montador, parceiro, capaz de uma entrega muito generosa ao processo, e de encontrar e estabelecer associações muito criativas, fluidas, no material disponível. Eu e André estivemos a todo o momento junto dele na ilha, não só por conta do nosso estilo de direção, por adorarmos acompanhar todos os passos da montagem, mas também porque tínhamos dividido a decupagem do acervo entre nós dois, o que fazia nossa presença, com nossas anotações, muito importante na descoberta dos caminhos de uma narrativa que brota do encontro das novas filmagens com esse material de arquivo. Foi um roteiro de fato escrito na ilha, num processo onde a fluência da montagem de Danilo assegurou as trilhas narrativas que íamos abrindo”, explica Rodrigo Campos.

Durante a produção do filme, André e Rodrigo fizeram uma parceria forte, sem que houvesse qualquer espécie de divisão do trabalho. “Paramos para ouvir o outro a cada momento de decisão, deixando que o caminho a ser seguido fosse determinado pelas necessidades enxergadas pela confluência de nossos olhares sobre o filme, o que só o enriqueceu. E conseguimos fazer isso com a agilidade exigida pelo set e pela montagem”, conta Rodrigo. E o colega complementa: “Talvez o único momento em que realmente nos dividimos foi para visionar as fitas VHS do acervo do Siron, cada uma tinha cerca de duas horas, um trabalho hercúleo. Anotávamos tudo, minuto a minuto, dividindo em temas, com observações e comentários pessoais, o que foi fundamental para a construção da montagem”.

André e Rodrigo sabiam que tinham um grande desafio de fazer um documentário sobre um artista plástico em atividade e dono de um estilo bem próprio. “Não foi uma preocupação nossa que a estética do trabalho de Siron influenciasse o estilo do filme, apesar de termos estado sempre conscientes de que isso se daria em alguma medida, e naturalmente, ao longo de sua feitura”, revela Rodrigo.

Para André, “não se filma Siron impunemente”, e, com o filme, confessa que tentaram “dar forma fílmica, da nossa maneira, à mente criadora de Siron, ao fluxo ininterrupto de pensamentos e ideias, as associações pictóricas, os tempos que se embaralham a cada quadro, o eterno fazer e desfazer de imagens até se chegar à obra final.”

Já Rodrigo aponta que um dos objetivos do filme é “tornar os meandros do pensamento, da personalidade e da arte desse grande criador brasileiro disponíveis para o maior número possível de pessoas, o que se torna particularmente importante neste momento atual, em que o desprezo das instituições oficiais e de uma grande parte da elite econômica do Brasil pela arte só não é maior do que seu desprezo pela vida em si mesma.”

Do olhar do artista para a produção do filme, a alquimia se fez com doçura, como no impulso de uma pincelada na tela. “Como você vai explicar o impulso? Explicar isso perde toda a graça”. Provoca Siron Franco.

O documentário estreia no dia 25 de março, simultaneamente nos cinemas e nas plataformas de streaming, Belas Artes A La Carte, Now, Vivo TV, Sky Play e Looke com distribuição da Pandora Filmes.