A mostra “Ciclo – criar com o que temos” chega ao CCBB Brasília.

A Noiva 01 - Artista Joana Vasconcelos crédito Joana França (18)Sem título #720 (Fantasma de Eguchi)- Petah Coyne
A mostra Ciclo – criar com o que temos chega ao CCBB em temporada de 5 de fevereiro a 20 de abril, após passar por São Paulo e Belo Horizonte. O curador Marcello Dantas reuniu obras de quinze artistas de diferentes gerações e nacionalidades.

As obras expostas são pautadas por uma única e instigante questão: a urgência e relevância de produzir uma arte a partir de elementos do mundo, conferindo novos significados a materiais e reinventando maneiras de ver e sentir as coisas. A mostra pretende estabelecer uma espécie de ponte entre um momento fundador da arte contemporânea – a criação, há exatamente um século, dos primeiros ready-made por Marcel Duchamp – e a fértil reinvenção desse tipo de operação nos dias de hoje.

"Nuvens", de Michael Sailstorfer.
“Nuvens”, de Michael Sailstorfer.

Os materiais explorados são os mais diversos: câmaras de pneus, palitos de dente, dejetos eletrônicos, armas, doces, veículos e até mesmo lixo. As técnicas também são propositalmente inusitadas, mescladas e ousadas. Procuramos trabalhos que buscam criar o novo sem criar mais coisas; que partem daquilo que já está, já existe”, explica o curador Marcello Dantas.

Foram dois anos de intensa pesquisa e o resultado é um panorama bastante diversificado, que combina grandes nomes do circuito internacional, como o chinês Song Dong e o italiano Michelangelo Pistoletto, com artistas mais jovens, com carreiras ainda em ascensão, como a uruguaia Julia Castagno e o italiano Lorenzo Durantini (veja abaixo a lista completa dos artistas e suas respectivas obras).

"Desarme", de Pedro Reyes.
“Desarme”, de Pedro Reyes.

As 16 grandes instalações e esculturas que serão espalhadas pelo CCBB Brasília incluem a impactante intervenção de autoria do alemão Michael Sailstorfer, feita a partir de câmaras de pneu entrelaçadas, e o enorme autorretrato do canadense Douglas Coupland intitulado “Cabeça de chiclete”, sobre o qual os visitantes serão orientados a colar chicletes mascados.

No dia 7 de fevereiro, às 11 horas, acontece a aguardada performance organizada pelo chinês Song Dong, durante a qual o público será convidado literalmente a devorar a cidade de Brasília, reconstruída na forma de uma gigantesca maquete de doces. Em seguida, às 12 horas, o curador da mostra Marcello Dantas fará uma palestra aberta ao público, no auditório do CCBB Brasília.

"Sem Título", deTara Donovan.
“Sem Título”, deTara Donovan.

Artistas e obras:

Daniel Canogar (1964) – Artista espanhol, que investiga a memória implícita contida nos objetos eletrônicos descartados e que antes foram depositários de nossas afeições. Na instalação “Microdados” (2010), Daniel Canogar recoloca em discussão questões como o caráter aurático dos objetos e busca quebrar a separação entre os seres animados e inanimados. “Trata-se de um retrato físico da nossa complicada e muitas vezes contraditória relação com os eletrônicos de consumo. O trabalho é na verdade mais sobre nós do que sobre tecnologia”, afirma ele.

Daniel Rozin (1961) – Nascido em Jerusalém e atualmente residindo em Nova York, Daniel Rozin trabalha há anos com a ideia de espelho. Em seu vocabulário, o termo costuma envolver a captação da imagem ou do gesto do espectador por uma câmera, processamento eletrônico e produção de resposta a partir de movimento que cria uma nova imagem. Esse jogo entre participante e obra, como uma partida de pingue-pongue em altíssima velocidade, tem a distância entre as duas partes tão encurtada que os seus espelhos se fazem, de fato, um meio de enxergar o próprio espectador. Em “Espelho de Canudos Darwiniano” o componente que dá corpo à peça é o visitante, que, processado por um software de computador, se torna a própria obra, constantemente reconfigurada por um padrão de dados gerado a partir de seu movimento. Na base da criação desse software está a teoria da evolução de Darwin, estruturada no conceito de mutação randômica seguida da seleção natural. Não há hesitação de resposta nesse software: o conjunto opera como um corpo em constante mutação, paradoxalmente orgânico em sua natureza sintética.

Daniel Senise (1955) – Único artista brasileiro da mostra, Senise participa com a obra “O sol me ensinou que a história não é tão importante”, na qual se reapropria de sua própria memória artística, recompondo fragmentos de seus catálogos, promovendo um processo de digestão e apagamento de registros produzidos em escala gigantesca pelo mundo da arte e transformando elementos como catálogos, convites e livros de arte em tijolos de papel machê.

"O Sol me ensinou que a história não é tão importante", de Daniel Senise.
“O Sol me ensinou que a história não é tão importante”, de Daniel Senise.

Douglas Coupland (1961) – Renomado escritor canadense, responsável pela disseminação do termo Geração X Coupland também se dedica à arte conceitual, atividade que julga complementar à ficção, e está presente na mostra com dois trabalhos distintos. No interior do prédio exibe “Slogans para o século XXI”, um conjunto de frases de efeito, numa evidente interelação entre literatura e visualidade. E na área externa, na nova praça do CCBB Brasília, comparece com “Cabeça de chiclete”, uma obra sarcasticamente narcísica, na forma de gigantesco autorretrato em forma de escultura sobre o qual o público é convidado a colar chicletes mascados.

Joana Vasconcelos (1971) – A portuguesa Joana Vasconcelos é um dos nomes mais conhecidos do público brasileiro, tendo realizado diversas exposições no País, com destaque para a mostra “Contaminação”, realizada na Pinacoteca do Estado, em 2008. Em “Ciclo”, finalmente será mostrada no País uma de suas obras mais notáveis: “A Noiva”, um gigantesco e suntuoso lustre, de 5 metros de altura, feito com mais de 25 mil de absorventes íntimos (OB’s), comentário irônico sobre o papel social e íntimo da mulher na nossa sociedade. A obra, de 2001, já participou de mais de dez exposições.

Julia Castagno (1977) – “Modelo para a sobrevivência” é uma surpreendente e complexa estrutura geométrica composta por milhares de poliedros, criada pela artista uruguaia ao longo de dois anos de trabalho para colar cerca de 10 mil palitos de dente num processo lento de repetição de padrões e exploração de elementos geométricos no espaço. A artista reapropria-se esteticamente do objeto de menor valor comercial no mundo atual, para criar uma obra plasticamente sublime.

"Modelo para sobrevivência", de Julia Castagno.
“Modelo para sobrevivência”, de Julia Castagno.

Lorenzo Durantini (1987) – Artista e curador italiano que vive atualmente em Londres, Durantini desenvolve uma série de experimentações tendo por base as antigas fitas de VHS, atuando nos limites entre a performance e a escultura, ao desenrolar quase simultaneamente milhares de metros de filme contidos nessas matrizes em desuso. Na instalação “2216 fitas de VHS”, sua ação gera um emaranhado de linhas que são ao mesmo tempo desenho no espaço e memória de um tempo perdido. A ideia de movimento, contida tanto no material explorado como no desenrolar das fitas remete ao próprio conceito de filme, termo que em italiano (fiume) também quer dizer rio, ou fluxo.

Michael Sailstorfer (1979) – As grandes construções habitam os sonhos de todo menino. Dispor de equipamentos de armar e técnicas que permitem manipular o que há de mais pesado e maciço é desafiar a natureza. A brincadeira vale ainda mais quando impressiona pelo feito: é possível manusear câmaras de pneu de caminhão, tão resistentes, como se fossem balões de festa? Sim. Igualmente, o engenho humano é capaz de criar a sua própria versão de céu, controlando à sua maneira as condições meteorológicas do ambiente por ele coberto. A obra ‘Nuvens’ aposta no jogo entre peso e leveza, suspensão no ar e conexão com a terra. Na instalação, o alemão Michael Sailstorfer provoca o espectador deslocando pneus – criados para o contato com o solo – para se tornarem matéria de nuvem, a pender do alto.

Michelangelo Pistoletto (1933) – Um gesto simbólico pode mudar o mundo. Dá início à ponderação sobre a lógica consumista que tem apartado o homem do universo natural. É capaz de suscitar, como ponto de partida, uma nova era. O poder de contaminação de um projeto artístico, de conscientização para a causa que defende, permite atentar para a raiz da crise humana na atualidade. Utopia ou não, por que não aderir à proposição de difundi-lo? Em pleno Distrito Federal – território que integra o cerrado, um dos mais complexos biomas do Brasil – uma grande massa de vegetação típica da região conforma uma nova versão do símbolo do infinito. A forma, criada pelo italiano Michelangelo Pistoletto, já foi repetida nos cinco continentes, em ações realizadas por voluntários para o projeto “O Terceiro Paraíso”. O conceito desenvolvido pelo artista se baseia no investimento pessoal em uma terceira forma de vida sobre o planeta, em que o âmbito natural (primeiro paraíso) e o artificial (segundo paraíso) dão espaço para a criação do terceiro, em que haja um equilíbrio entre essas duas esferas. Reproduzindo o símbolo, que sugere um território ampliado de união entre o eu e o outro, qualquer indivíduo pode aderir à causa e à obra, definida por Pistoletto como uma forma de arte espiritual — fundada igualmente na liberdade e na responsabilidade social.

Pedro Reyes (1972) – “Trabalhar com arte é uma maneira de converter os instintos mais negativos, instintos de morte, em instintos de criação”, afirma o artista mexicano, que exibe em “Ciclo” o trabalho “Desarme”, uma série de instrumentos musicais automatizados, confeccionados a partir de pedaços de 6,7 mil armas confiscadas e inutilizadas pelo governo em uma das regiões mais violentas de seu país. Trata-se de uma intervenção que combina tecnologia, poesia e plasticidade com equilíbrio preciso, como em diversos outros trabalhos da exposição.

"Slogan para o Século XXI", de Douglas Coupland.
“Slogan para o Século XXI”, de Douglas Coupland.

Petah Coyne (1956) – Escultora e fotógrafa americana, Petah Coyne é de uma ousadia ímpar na exploração de materiais não convencionais, como por exemplo em “Sem título #720 (Fantasma de Eguchi)”, obra em que transforma um tradicional trailer de viagem (símbolo da cultura americana e residência de muitos de seus conterrâneos) num emaranhado de fios, que remetem a tufos de cabelo, num processo de desconstrução e digestão de imagem de uma radicalidade impressionante.

Ryan Gander (1976) – Artista inglês de grande destaque na cena internacional, Gander lida com evidente sarcasmo com a relação entre espectador e obra e debruça-se sobre as condições de produção e percepção da arte. Em “Ciclo” ele exibe “O empurrão de Sansão”. Trata-se de uma torre feita em homenagem ao artista Bart Van de Leck, construída a partir de mesas da marca Ikea. Os elementos modulares formam um pilar colorido que aponta para a solidez e a racionalidade do Modernismo.

Song Dong (1966) – O artista chinês que já participou da 26a Bienal de São Paulo (2004) com um mapa-múndi feito de balas devorado pelos visitantes, apresenta em Brasília um projeto bem mais ousado da série “Eating the city” (“Comendo a cidade”). No dia 07 de fevereiro, às 11h, o público será convidado a digerir uma maquete inspirada no Distrito Federal, com ícones de sua arquitetura, feita de doces e biscoitos por Dong. A escolha do material não é casual, como nada na obra do artista: “Biscoitos são simples, como materiais de construção, mas são coisas nefastas, como estas grandes cidades construídas”, sintetiza.

Tara Donovan (1969) – A artista americana é autora de grandes instalações e esculturas feitas a partir da manipulação de grandes quantidades de material industrializado, como canudos, copos e até mesmo escovas de dente. O publico brasileiro terá a oportunidade de descobrir “Sem título (Copos de plástico)”, trabalho de grande sucesso da artista, apresentado pela primeira vez em 2006, no qual a artista recria uma topografia sedutora, uma paisagem imaginada, na qual explora texturas, efeitos de luz e sutilezas cromáticas utilizando apenas milhares de copos de plástico transparentes.

Tayeba Begum Lupi (1969) – Nascida em Bangladesh, Tayeba Begum Lupi lida em seu trabalho com questões relativas ao universo feminino e as tensões de gênero. Na obra “Vamos dar um tempo”, a artista reverbera, por meio da apropriação de materiais cortantes como a lâmina de barbear e os alfinetes de segurança, problemas da violência real enfrentada pelas mulheres ou aqueles baseados em estereótipos de sensualidade e dominação, aos quais são submetidas.

"Vamos dar um tempo", Tayeba Begum Lupi.
“Vamos dar um tempo”, Tayeba Begum Lupi.

Serviço: Exposição: Ciclo – criar com o que temos
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (SCES Trecho 2)
Data: 5 de fevereiro a 20 de abril
Visitação: De 9 às 21 horas – Quarta a Segunda-feira.
Performance do artista Song Dong: 7 de fevereiro, às 11 horas
Palestra com Marcello Dantas: 7 de fevereiro, às 12 horas
Classificação Indicativa: Livre
Entrada Franca
Informações: 3108-7600
ccbbdf@bb.com.br

Fotos:
“A Noiva”, de Joana Vasconcelos.
“Sem Título #720 (Fantasma de Eguchi)”, de Petah Coyne.