O projeto CRU: comida, transformação e arte aterrisa no CCBB de 15 de agosto e 19 de outubro, com curadoria de Marcello Dantas. O tema é a comida, e vai unir artistas e chefs como Mark Dion, Airson Heráclito, Sophie Calle, Zhang Huan, dentre outros nomes de peso nacional e internacional.
A proximidade entre dois universos paralelos, o mundo da arte e o da comida, é antiga. Mas essa relação tem se tornado mais intensa, com a crescente sofisticação da cena gastronômica e as transformações da arte contemporânea. A mostra se articula em torno de três eixos: uma grande exposição, reunindo trabalhos de mais de 20 artistas nacionais e internacionais; quatro ações performáticas, conduzidas por artistas, músicos e chefs; e diversas intervenções gastronômicas, em restaurantes da cidade e parcerias com food trucks. Os trucks estarão à disposição dos visitantes nos finais de semana e encerramento, todos com performances (29/08, 03/10 e 12/10) e a ação nos restaurantes permanecerá ativa durante todo o período da exposição.
“Essa é uma questão que diz respeito a todos. A grande motivação da criação é alimentar o outro, seja por meio da energia para criar como artista, seja para existir como pessoa”, sintetiza o curador Marcello Dantas, que idealizou o evento ao constatar a presença crescente dos alimentos como elemento simbólico, metafórico ou plástico nas exposições mundo afora. Ou seja, uma comida que não alimenta apenas o corpo, mas também os olhos, a mente e o espírito. O título do evento é, segundo ele, uma forma de enfatizar o uso dos alimentos como matéria-prima (“raw material” em inglês, ou, literalmente, “matéria crua”) da criação artística. Como costuma ocorrer nas curadorias concebidas por Dantas, a exposição se organiza em torno de trabalhos com forte apelo conceitual e visual, mapeados em diversas partes do mundo e que permitem conhecer mais de perto produções internacionais ainda não familiares ao público brasileiro. Lara Pinheiro e Rodrigo Villela são os curadores adjuntos da mostra.
O resultado é um panorama amplo e diverso, em que se sobrepõem e se complementam abordagens as mais diferentes – formais, líricas, sedutoras, irônicas ou políticas –, tendo sempre como ponto de partida a relação do homem com a comida. Há obras em diversos formatos (fotos, vídeos, esculturas, pinturas e instalações), assinadas por nomes expressivos no cenário internacional, como a brasileira Rivane Neuenschwander, a francesa Sophie Calle, a israelense Sigalit Landau, o chinês Zhang Huan e o alemão Thomas Rentmeister.
Chama a atenção, por exemplo, uma evidente conexão – e fricção – entre as diferentes mesas de refeições (tema explorado de formas distintas pelo romeno Daniel Spoerri, pela espanhola Greta Alfaro Yanguas e pelo guatemalteco Gabriel Rodriguez Pellecer) ou entre as diferentes leituras de naturezas-mortas (revisitadas, entre outros, pelo colombiano Gabriel Sierra e pelo belga Hans Op de Beeck).
Esses diálogos entre variadas formas de expressão e criação também se fazem presentes nas quatro performances programadas para a exposição. Nos dias 15 e 16 de agosto, o russo Fyodor Pavlov-Andreevich passará jornadas de 8 horas manipulando batatas dentro de uma instalação gigante que mais se assemelha a uma fábrica maluca. A escolha do tubérculo não foi acidental: é uma clara referência à sua importância fundamental como alimento em difíceis períodos da história russa. Nas duas semanas seguintes, artistas performáticos locais o substituirão na tarefa, até o dia 24 de agosto.
No dia 29 de agosto, Hector Zamora (México), o grupo brasileiro de percussão Barbatuques e a chef Ana Luiza Trajano realizarão uma grande produção coletiva e musical de sorvetes artesanais, de sabores de frutas típicas brasileiras, que poderão ser degustados pelo público ao final da ação.
Em 3 de outubro será a vez de Rirkrit Tiravanija (Argentina/Tailândia) propor, com a ajuda de Pierre Hermé e Kreëmart, um provocativo happening. Ao longo do dia, um grupo de pessoas estará cozinhando dentro de uma grande caixa de vidro e quem se aproximar de uma das várias aberturas existentes na caixa receberá um alimento, sem saber de antemão do que se trata, num grande ritual de confiança.
Finalmente, em 12 de outubro, data de encerramento do evento, um grupo composto por Neka Menna Barreto, Jorge Menna Barreto e Fernando Limberger prepararão um “banquete pré-Brasil”, no qual serão utilizados apenas insumos autóctones, que eram comidos pelas populações que viviam no país antes de Cabral desembarcar por aqui.
OS ARTISTAS DE CRU
Ayrson Heráclito – Brasil (1975)
Em uma série de doze retratos que associam os 12 orixás mais cultuados no Brasil a seus alimentos de predileção, o artista baiano evidencia a forte relação entre religião e comida, comum a várias outras culturas (como o catolicismo e o judaísmo) mas que adquire uma força inquestionável e um caráter explicitamente ritualístico no Candomblé.
Damián Ortega – México (1967)
O artista mexicano, que já expôs diversas vezes no Brasil, apresenta uma escultura singela e potente, na qual transforma tortillas, prato típico do México, em matéria-prima, criando com elas uma escultura construtiva de grande leveza.
Dana Sherwood – EUA (1977)
Em uma ação especialmente feita para a mostra brasileira, que se desdobra em diferentes momentos, Dana Sherwood construiu um carrinho repleto de guloseimas e o deixou num terreno de Brasília para ser devorado pelos animais. Tanto o carrinho como o registro do banquete “degustado” por uma jaguatirica, entre outros animais – numa ação semelhante, apesar de menos intensa, àquela proposta no vídeo de Greta Alfaro Yanquas – estarão presentes na exposição.
Daniel Spoerri – Romênia (1930)
Artista e dançarino romeno radicado na Suíça, Spoerri é conhecido por suas “snare-pictures”, grandes composições nas quais fixa em quadros os restos de uma refeição, perenizando o momento efêmero repleto de simbolismos em painéis de grande atração visual.
Fernanda Rappa – Brasil (1981)
Trabalhando na fronteira entre arte e ciência, como Philip Ross, Fernanda Rappa vêm pesquisando as árvores frutíferas do Cerrado brasileiro como parte do projeto Ervanaria Móvel, propondo que o visitante vivencie parte das conclusões de suas pesquisas. Em A Maca, a artista levará o público a observar as plantas por outra perspectiva. Ao invés de perceber o seu crescimento acima do solo, verá o que acontece com a planta através das mudanças ocorridas em suas raízes.
Gabriel Rodriguez Pellecer – Guatemala (1984)
Ao recriar uma mesa de refeição incompleta (na qual garfos, facas, pratos estão rotos, incompletos, e as cadeiras estão ausentes), o mais jovem artista da exposição cria um ambiente no qual se destaca a noção de transitoriedade, de incompletude, propondo uma metáfora potente dos confrontos culturais de uma sociedade colonizada.
Gabriel Sierra – Colômbia (1975)
Bastante conhecido do público brasileiro, o artista colombiano explora as relações entre o campo das artes visuais e do desenho industrial, inserindo objetos funcionais e cotidianos em suas obras. No trabalho que mostra em CRU, Sierra propõe uma subversão/fusão entre o cabide e a fruteira, utilizando a estrutura de metal como suporte – físico e estético – de frutas, que serão permanentemente renovadas ao longo da exposição.
Greta Alfaro Yanguas – Espanha (1977)
No vídeo In Ictu Oculi, de 2009, a artista espanhola constrói um bizarro banquete em campo aberto, que acaba sendo devorado por abutres e urubus. Metáfora de grande intensidade sobre as contradições da civilização ocidental, este trabalho propõe um interessante diálogo com a tradição da história da arte, remetendo ao gênero da natureza-morta e a imagens icônicas de repastos.
João Maria Gusmão (1979) e Pedro Paiva (1977) – Portugal
João Maria Gusmão e Pedro Paiva realizam conjuntamente uma série de trabalhos, que descrevem como “ficções poético-filosóficas”. O vídeo que será mostrado em Brasília mostra um homem fazendo o impossível: empilhar verticalmente uma série de ovos, como um desdobramento provocativo e radical do ovo de Colombo.
Hans Op de Beeck – Bélgica (1969)
Artista polivalente, Hans Op de Beeck propõe uma releitura do gênero da natureza-morta, recriando clássicos arranjos de objetos e frutos numa composição tridimensional. A falta de cor (suas obras são sempre cinzas) e o volume dado aos elementos da composição criam uma perturbadora qualidade táctil.
Mark Dion – EUA (1961)
Em um dos trabalhos mais violentos da exposição, Mark Dion propõe a criação de um gabinete no qual reúne – em um ato simbólico – todas as armas dos açougueiros. Facas, machadinhas e outros objetos cortantes estão assim evidenciados, testemunhando o caráter um tanto brutal desses rituais.
Michel Blazy – França (1966)
Escultor francês, Blazy utiliza materiais inusitados como batatas, macarrão ou orelhas de porco, criando estranhas e provocativas formas orgânicas. Ele participa da exposição com uma surpreendente chuva de laranjas, ocupação plástica e lúdica do espaço.
Philip Ross – EUA (1966)
Mistura de cientista, empresário, artista e filósofo, o norte-americano Philip Ross dedica-se ao desenvolvimento de novos materiais sustentáveis a partir de cogumelos. O Mycelium, como é chamado o material, serve para vários fins: é super leve, não quebra, é facilmente reproduzível com um mínimo de energia e matéria e não afeta o meio ambiente. É extremamente promissor como material de construção e serve também como matéria-prima para a realização de esculturas. Em Brasília, os tijolos assumirão a forma de um poço, no centro do qual será oferecido um chá aos visitantes.
Pierre Fonseca – Brasil (1981)
Integrante do projeto Ervanária Móvel assim como Fernanda Rappa, Pierre Fonseca irá apresentar ao público, por meio de fones, os sons produzidos pelas árvores, sugerindo com Máquina de Conexão 01 um deslocamento da percepção sensorial – do paladar (o gosto da manga) para a audição.
Rivane Neuenschwander – Brasil (1967)
A artista mineira comparece com sutis registros de esculturas feitas de alimentos, cuja singeleza remete ao universo infantil. Utiliza materiais com forte apelo visual, como rodelas de cebola roxa, fragmentos de rabanete ou fios de spaghetti para construir pequenas miniaturas, desconstruções irônicas e afetivas de uma geometria improvisada e lúdica, próxima ao neoconcretismo.
Rochelle Costi – Brasil (1961)
A fotógrafa gaúcha tem a comida como um de seus temas recorrentes, recriando imagens de alimentos de forma caleidoscópica em Toalhas, propondo jogos infantis em Pimentário, ou revisitando elementos típicos, muitas vezes esquecidos da cultura alimentar brasileira.
Ryan Gander – Inglaterra (1976)
O artista inglês propôs para CRU uma intervenção invisível e desconcertante. Seguindo suas instruções, serão entregues, todos os dias de funcionamento da exposição, sempre ao meio-dia, uma pizza verde no local. A inexistência de pizzas verdes, a possibilidade ou não de alguém desejar comer o prato inusitado e o depósito, dia a dia, dos restos dessas curiosas entregas no espaço expositivo reforçam o caráter surreal da proposta.
Sigalit Landau – Jerusalém (1969)
A artista mostra em CRU um trabalho recente, o vídeo Knafeh, de 2014, um sintético e poético registro da elaboração de uma comida tradicional de Jerusalém. A imagem, dominada por ingredientes coloridos e pelos gestos do artesão, adquirem um caráter hipnótico e extremamente sedutor, numa ação em que os atos de cozinhar e pintar se confundem.
Sonja Alhaüser – Alemanha (1969)
A artista alemã, conhecida por suas esculturas que dialogam com a tradição clássica usando materiais insólitos como chocolate e manteiga, está preparando uma obra especial para CRU, construindo um moleque de pé-de-moleques, num interessante jogo semântico e construtivo.
Sophie Calle – França (1953)
Ícone da arte conceitual, Sophie Calle participa de CRU com Dieta Cromática, trabalho feito a partir das prescrições alimentares criadas pelo escritor Paul Auster para uma de suas personagens. Cada dia da semana tem um cardápio, definido a partir de uma cor específica – a segunda é laranja, a quinta é verde e no domingo temos uma explosão cromática –, que a artista organiza, fotografa e come de maneira disciplinada, numa ação de efeito ao mesmo tempo interno e externo.
Thomas Rentmeister – Alemanha (1964)
Artista e professor alemão, Rentmeister utiliza materiais da indústria de consumo e frequentemente lança mão de alimentos industrializados para produzir esculturas e instalações de grande dimensão e claro teor irônico, como a surpreendente montanha de batatas chips (três metros quadrados de batatinhas) que recriará no CCBB de Brasília.
Zhang Huan – China (1965)
Artista performático chinês, Huan realiza trabalhos em diferentes mídias, frequentemente utilizando seu próprio corpo. Em “1/2 (Meat + Text)”, de 1998, que integra a mostra, ele se autorretrata com a pele recoberta de caracteres chineses e “vestido” com uma carcaça de boi, num confronto entre animalidade e cultura, tradição e pulsão primitiva.
Serviço: CRU: comida, transformação e arte
Local: CCBB (SCES Trecho 2, Lote 22)
Data: De 15 de agosto a 19 de outubro
Visitação: Segunda, quarta a domingo, de 9 às 21 horas (Fechado às terças)
Entrada gratuita – As senhas serão distribuídas a partir de 1 hora antes do início do evento.
Classificação indicativa: Livre.