Thaís Kuri fala sobre o livro “Habit.Arte” nesta sexta no Sebinho

Thaís Kuri. Acervo pessoal.

Thaís Kuri está ativa no circuito cultural com recentes ações que unem que tem nas artes visuais e literatura os veículos para amplas abordagens. 2024 trouxe uma mostra individual na Casa Aerada Varjão que decorrem agora em debates e bate-papo em torno do livro HABIT.ARTE, que aborda ecologia e performance no fim do mundo em sua pesquisa há tempos.

Nesta sexta (17 de maio), o Sebinho Café (406 Norte) recebe bate-papo em torno da obra com tarde de autógrafos. Kuri acabou de participar de um debate no Programa Educativo do CCBB Brasília no dia 15 de maio, no início de uma turnê de divulgação do seu livro-fundamento. São muitas experiências valiosas que agora aliam saberes construídos em sua trajetória em progresso constante.

Thaís Kuri atua como produtora cultural nas Regiões do Distrito Federal desde 2009, com uma diversidade de grupos culturais. Investiga a urbanidade conectando arte e ecologia. É mestra em Arte Contemporânea pela Universidade de Brasília, e lançou os livros Cerrado Ecoarte (org., 2020), Dançar em Ritmo de Poesia (2022) e HABIT.ARTE – ecologia e performance no fim do mundo (2024), o qual será tema do bate-papo oferecido ao público no Sebinho Café, na 406 norte.

O Acha Brasília conversou com a multiartista:

Acha – Qual sua visão acerca do papel da ecoarte, diante das questões ambientais abrangentes como o aquecimento global?

Thaís Kuri – “As questões ambientais são pautadas há décadas e isso nos faz pensar que certamente é preciso mudar o ritmo. Aderir aos ciclos naturais, aprender a fazer certas concessões, para sincronizar a vida humana com o tempo da Terra. Compreender a Ecoarte como um potencial criativo em confluência orgânica é parte desse movimento necessário, que se origina no microcosmo, nossa realidade cotidiana, para ajudar a despir as certezas do nosso conforto tecnológico, fazer perceber aquilo que estava imperceptível. A partir disso, é necessário que haja uma expansão a nível global dessa nova sensibilidade, menos centrada no humano, e mais ligada nas relações – entre todos os seres, e destes com o ambiente.”

Qual foi a abordagem escolhida para a relação entre arte e ecologia em sua obra literária “Habit.Arte”?

Thaís Kuri – “Ela aborda essa relação através da minha história pessoal. A pesquisa em arte tem muito dessa licença poética, a narrativa autobiográfica como método de pesquisa. Afinal, a produção criativa é fruto da nossa forma particular de viver o mundo. No livro, vou contando algumas histórias que vivi, relacionando com textos de autores e autoras consagradas, e com palestras de mestres e mestras dos saberes originários. Por influência de Nego Bispo, aprendi a valorizar a trajetória. E por exigência acadêmica há de se equilibrar trajetória e teoria.”

Acha – Como você vê o papel do Programa Educativo do CCBB Brasília, e de eventos como a semana nacional de museus do IBRAM?

Thaís Kuri – “O CCBB Brasília é uma referência na minha formação, é um dos lugares que mais frequentei ao longo de minha primeira graduação – principalmente pela gratuidade do transporte que havia na época –  e onde tive experiências transformadoras de contato com a arte em suas mais diversas formas. Também é um dos lugares que oportuniza as primeiras oportunidades de trabalho para estudantes de arte, para atuarem nas mediações das exposições e nos programas educativos. Por essas características, atua como um pólo multiplicador de conhecimentos. Bate-papos como este, portanto, podem contribuir para a formação de pessoas engajadas na Ecoarte, com o potencial de difundir exponencialmente estas mensagens tão necessárias e atuais.”

Acha – No que concerne à trajetória de artistas que utilizam materiais encontrados no lixo, como o artista plástico e fotógrafo Antônio Roseno de Lima, como você vê a relação entre arte, sustentabilidade e reciclagem?

Thaís Kuri – “Vejo de forma sistêmica, especialmente ao considerar a trajetória de Roseno, e as narrativas produzidas pelas instituições acerca de sua vida e obra. Gosto de brincar com essa palavra “Lixo”, esse conceito que é uma abstração, uma coisa que não existe. Lixo para mim é material desorganizado – tudo tem um ciclo, um lugar de origem, e pode ter um lugar de destino que alimenta a sua transformação natural, ou não. A sociedade industrial gerou montanhas e montanhas de material desorganizado que as indústrias se furtam a reorganizar, abandonam estes materiais de forma que sua transformação e seu retorno aos ciclos naturais fica inviável, degrada o ambiente e a saúde coletiva. Quando falo de saúde coletiva, estou me referindo também às vidas além da vida humana. O colonialismo e o delírio industrial degradam os ambientes naturais, exploram populações humanas de formas terríveis, geram pobreza e vulnerabilidade social. E essas histórias são apagadas, escondidas através de um verniz colorido, das comodidades eletrônicas, e até mesmo da arte. As mensagens de Roseno no verso de suas pinturas trazem uma bela metáfora para isso… Outro ponto que chama atenção na exposição A.R.L. Vida e Obra é a seção de recortes de jornais, que a curadoria chamou de “15 minutos de fama”. Nas reportagens, a conexão de Roseno com o seu território é contada como uma idiossincrasia, uma excentricidade. Ainda escapa ao entendimento da branquitude a importância dessa conexão, algo que Ailton Krenak explica muito bem nos seus discursos. Eu recomendo fortemente para quem busca descolonizar o pensamento que escutem este e outros autores, como o Nego Bispo, quilombola que recentemente se encantou. Quem se dispuser a ouvir estes discursos talvez possa descobrir que há, nas periferias, infiltrações que persistem em ser terreno fértil para germinar as culturas originárias.”

Acha – Como gestora de projetos culturais e especialista em arte contemporânea, quais são os principais desafios que você enfrenta ao promover iniciativas que abordam questões ambientais através da arte?

Thaís Kuri – “Hoje o assunto está em alta, as tragédias que vivemos tornaram impossível ignorar a questão ambiental, tornando mais fácil promover tais iniciativas. Porém, quando comecei a me debruçar sobre o tema, em 2008, era muito difícil começar com o básico, que é a conscientização das pessoas para a coleta seletiva. Tentamos fazer isso na Casa do Estudante Universitário (CEU) da UnB, com um projeto para conscientização de moradores e moradoras, mas esbarramos com a má vontade, uma certa preguiça, não sei dizer, o que faz as pessoas evitarem essa mudança de hábitos? Porque afinal é uma coisa muito simples né? Ter duas lixeiras e limpar o resíduo sólido para o descarte seletivo. Mesmo assim conseguimos incentivar algumas pessoas, e com o resíduo coletado produzimos artesanato a partir da reutilização de materiais. Aí nos deparamos com a magnitude do problema – o volume de material que era descartado cotidianamente era muito maior do que o nosso poder de transformar. Passei então a buscar uma forma de atuação que combinasse mais com as forças microscópicas que o meu corpo alcança, e daí veio a busca pela sensibilização do corpo, o despertar para “ser um corpo”, que atua no mundo em trocas de interações, e perceber nessas trocas as intencionalidades. Sensibilizar as pessoas para sentirem-se mais atuantes e interagentes nas relações com as coisas, com as pessoas e com o ambiente. A partir se constrói a base da pesquisa, até chegar no mestrado, e então encontrei o desafio acadêmico: os jogos de poder e afirmação através da autoridade. Percebi que o assunto não era muito valorizado no departamento, não havia um real interesse pelas questões ecológicas, quase uma recusa à interdisciplinaridade. Mesmo assim eu insisti, e foi quase um parto chegar a publicar esse livro, depois de uma longa gestação de cinco anos.”

Acha – Como sua pesquisa na interface entre arte e ecologia influencia sua prática artística e sua visão de mundo?

Thaís Kuri – “Creio que na verdade é a minha visão de mundo que influencia a pesquisa e a prática artística. Mais do que visão de mundo, é uma audição de mundo, são os cinco sentidos ativados e talvez o sexto também. É uma sensibilidade que me conecta com o mundo mais-que-humano, e um desejo de compartilhar com as pessoas as experiências, as epifanias e os saberes vividos através da arte…Como escrevi no livro, fui tocada por “saberes que cavalgam o vento”… Essa é uma expressão trazida pela Jamie Sams, mulher estado-unidense de origem indígena (que também já se encantou). Desejo que mais pessoas possam sentir essas brisas, essas ventanias, e escutem com o coração essas mensagens tão necessárias para a vida, e a minha arte e a minha pesquisa nascem desse desejo.”

Acha – Como você percebe o papel dos artistas e da comunidade artística em geral na no momento de convulsões climáticas que vivemos?

Thaís Kuri – “Como artista, me posiciono sobre o papel que acredito ocupar, que é além de uma escolha pessoal, fruto de uma trajetória: trazer o assunto à tona, espelhar as tramas complexas que envolvem as relações pessoas-pessoas, pessoas-seres, pessoas-coisas, pessoas-ambiente; encontrar os nós, conhecer os fluxos. Habitar arte procurando caminhos e conexões que geram esperança.”

A autora estará no Sebinho no fim de tarde do dia 17 de maio, quando vai disponibilizar os livros para a venda, oferecer autógrafos e conversar com o público sobre sua trajetória e as perspectivas da arte na confluência com os temas urgentes da nossa sociedade em crise. Deseja assim inspirar mais pessoas a conhecerem e se informarem sobre os temas ecológicos que visam à sustentabilidade da vida humana no planeta.

Bate-papo e noite de autógrafos do livro “HABIT.ARTE – Ecologia e Performance no Fim do Mundo
17 de maio de 2024 (sexta) das 17 às 20 horas
Sebinho Café (406 Norte – Bloco C – Loja 44)
Entrada franca
Classificação: Livre.
Instagram: @tkuri.art