II Fronteira – Festival do Filme Documentário e Experimental movimenta Goiânia.

Ruined Heart. Khavn de la Cruz.
Ruined Heart. Khavn de la Cruz.

O II Fronteira – Festival do Filme Documentário e Experimental vai de 20 a 29 de agosto em Goiânia. São dez dias em uma programação com onze mostras, entre competitivas internacionais, retrospectivas e mostras especiais que incluem debates e sessões comentadas com convidados vindos de várias partes do mundo.

São 110 filmes exibidos, a maioria inéditos no Brasil. Bruce Baillie e a Canyon Cinema em 16 mm em cópias únicas e restauradas (James Broughton, Stan Brackage, Robert Nelson, Paul Sharitis, Larry Gottheim, Bill Brand, Petter Hutton, Eve Heller, Nathaniel Dorsky ao ar livre); Sylvain George em perspectiva e diálogo, presente pela primeira vez no Brasil; Lewis Klahr, Leo Pyrata, Gianikim & Lucci, os cineastas na fronteira; a abertura com Raul Perrone; Kurt Walker, Pierre Léon, Robert Tood, Thom Andersen, como as exibições especiais. Martins Muniz na Cadmus e o Dragão, Trangressões Queer; a Underground Mines vindo do Canadá com Oona Mosna, O que é o real?, vindo de Paris; e a Futuro Agora e a Esplendor do Mundo ou a Política da Beleza. Acontecem ainda, a Estado Crítico – Residência de Crítica de Cinema, o Workshop de Montagem Cinematográfica e o Master Class intitulado “Memória que Queima”.

La nuit et l´enfant.
La nuit et l´enfant.

“A nossa ideia é trazer o melhor da produção internacional do cinema documentário e experimental para Goiânia. Grande parte dos filmes não foi exibida no Brasil e estreiam no Fronteira, sendo que alguns, terão sua estreia mundial aqui em Goiânia. Então, a nossa intenção é reunir filmes que pra nós são importantes dentro da produção mundial, referências do cinema documentário e do cinema experimental. Vivemos um tempo de muito isolamento, as pessoas cada vez mais estão presas dentro de casa, fazendo suas coisas em frente a televisão. A experiência coletiva foi muito suprimida nos últimos anos. Todo o nosso esforço para trazermos a melhor projeção, trazermos toda essa tecnologia é para que nós possamos restaurar um pouco esses encontros em torno de filmes que conectem as pessoas de uma maneira forte. Eu acho que isso é o mais importante para uma cidade como Goiânia, que carece tanto de espaços, de eventos mais abrangentes que não queiram apenas estender um tapete vermelho e convidar atores e atrizes famosos. Nossa ideia é trazer uma programação muito consistente e forte, que provavelmente ninguém mais terá a oportunidade de assistir na vida, tanto para o público cinéfilo de Goiânia, como para todos que queiram experimentar novas formas de cultura na cidade”, resume Rafael Castanheira Parrode, um dos diretores artísticos do festival.

A difusão e a reflexão do cinema documental, experimental e de todo aquele que desafia os limites da linguagem, do gênero, tomando o cinema sob novos modos de percepção e apreensão do mundo e do homem, são objetivos do Fronteira.

Devil's rope.
Devil’s rope.

No II Fronteira, sessões ar livre, céu estrelado e caminhadas entre lugares somam-se a experiência da sala escura. Mas o festival continua arraigado na defesa e valorização das salas de cinema públicas e de rua. O público poderá conferir exibições em DCP (Digital Cinema Package), 35mm e 16mm, esforço que o festival faz para trazer para Goiânia não só a liberdade possível das variantes da linguagem, como também a potência de diferentes tecnologias de fruição cinematográfica.

“Esse ano, a grande novidade é a projeção em DCP. O Fronteira é o primeiro festival a trazer essa tecnologia de projeção para Goiânia. Mesmo tendo uma programação de filmes experimentais e documentados, por vezes, com baixo custo, nós nos preocupamos com a melhor projeção possível, pois acreditamos que a experiência do cinema começa por oferecer ao público uma projeção de qualidade”, explica Henrique Borela, também responsável pela direção artística do Fronteira.

Ragazzi.
Ragazzi.

Para a abertura do festival foram selecionados dois destaques do cinema na atualidade: “Ragazzi”, do argentino Raul Perrone, e “Hit 2 Pass”, do canandense Kurt Walker, que serão exibidos no Cine Goiânia Ouro, nesta quinta, a partir das 19h.

Referência do cinema underground argentino, com mais de 30 filmes no currículo, Perrone explora em “Ragazzi”, que estreia no Brasil durante o II Fronteira, os últimos momentos do escritor e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. O filme é dividido em duas fases. A primeira se dá em Ituzaingó, distrito de Buenos Aires e aborda de forma poética a trágica morte de Pasolini em Roma. A segunda é vivida em Córdoba e mostra o momento de lazer e prazer de um grupo de jovens carroceiros. Filmado em preto e branco, e explorando alguns textos de Pasolini, “Ragazzi” combina habilmente vários recursos audiovisuais.

Exibido pela primeira vez na América Latina, “Hit 2 Pass” é uma viagem reflexiva a um canto remoto do Canadá que explora a diferença entre a emoção imaterial dos videogames e a complexidade da vida. Um grupo de amigos viaja para participar de um “hit”, espécie de competição de stock-car. A velocidade dos carros é irrelevante. O que conta é a humanidade da pista e o mundo marginal de jovens confrontados com a inevitabilidade da vida adulta. “Hit 2 Pass” recebeu o Prêmio Universidades de Melhor Longa-Metragem da Competição Internacional no DocLisboa em outubro de 2014.

Over Water Horse.
Over Water Horse.

Além das 11 mostras, o II Fronteira traz em sua programação quatro produções que representam o melhor do cinema independente e experimental como “Exibições Especiais” do festival. Entre os filmes selecionados estão o curta-metragem “Exquisite Corpus”, novo filme do austríaco Peter Tscherkassky, um dos mais importantes e emblemáticos cineastas experimentais da atualidade. O filme teve sua estreia em maio desse ano no Festival de Cannes.

“Phantom Power”, o mais recente filme de Pierre Leon, teve sua estreia no DocLisboa 2014. O curta é uma belíssima e inclassificável obra sobre memória e biografia, e também sobre o cinema. A Viennale apresentou-o como um trabalho composto em intervalos irregulares, oscilante “entre filme de família experimental e mise en scène teatral, material de arquivo e montagens documentais”, “uma série poética de fragmentos cinematográficos”, com música popular russa, canções de Ingrid Caven, encenação de pequenas cenas, uma montagem de excertos de filmes de Fritz Lang, motivada pelos muitos e importantes planos de mãos nos seus filmes.

O novo e esperado filme do cineasta americano Thom Andersen, um dos maiores conhecedores e teóricos do cinema contemporâneo, “The Thought’s That Once We Had” é uma jornada através da história cinematográfica, magistralmente editada, que se move ao longo de diferentes décadas e gêneros. Grande realizador de filmes experimentais, Andersen traz em sua filmografia obras-primas como “Los Angeles Plays Itself”(2003), clássico moderno, classificado entre os melhores documentários de todos os tempos, e “Red Hollywood”, realizado em parceria com Noel Burch.

“Psychic Driving”, do artista, cineasta e escritor americano William E. Jones lida com experimentos sujeitos involuntários envolvendo drogas alucinógenas e doses maciças de eletrochoque. O psiquiatra responsável, Dr. Ewen Cameron, tratou os pacientes em três fases —terapia do sono, condução psíquica, e desconstrução de padrões— para destruir personalidades deprimidas e construí-las novamente, com financiamento da CIA. O material de origem de “PsychicDriving”é uma fita VHS gravada a partir de um programa televisivo de 1979, única cópia existente nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos. A degradação da fita inspirou a animação quadro-a-quadro envolvendo centenas de passagens de filtros no Photoshop.

Sylvain George. Figuras de Guerra.
Sylvain George. Figuras de Guerra.

O Fronteira também presta homenagem ao cineasta francês Sylvain George, realizador decisivo do cinema político atual. Foram 20 anos desde o momento em que George decidiu se tornar diretor de cinema e escreveu o argumento de seu primeiro filme sobre imigrantes iraquianos, afegãos e iranianos na França, até realizá-lo em 2008 sob o título de No Border, indicando o processo minucioso de reflexão do cineasta diante de seus filmes.

Seus projetos seguintes levaram adiante esse processo, sempre aliados à urgência dos temas abordados, como a repressão policial em L’Impossible (2009), novamente os problemas da imigração em Figuras de Guerra (2010) e Os Estilhaços (2011), e as mobilizações populares de 2011 e 2012 ocorridas na Espanha em Rumo a Madrí (2013).

Rebelião e emancipação estão no centro dos filmes de George, que encontram a verdadeira política nos gestos, gritos e corpos daqueles que estão dentro da ordem socioeconomica dominante, mas são considerados “excedentes”.

Sylvain George. L´impossible. Divulgação.
Sylvain George. L´impossible. Divulgação.

“Esse ano a nossa programação é muito política. Acredito que não podemos ignorar o momento que o Brasil e o mundo vivem. A mostra do Sylvain é uma resposta a isso. Nós queríamos muito trazer um realizador com uma verve política, que pudesse falar das coisas que estamos vendo. Sylvain é um cara que pensa o mundo e pensa as relações políticas através do cinema, das imagens, da montagem. É uma pessoa que tem muito a somar a essa reflexão que temos feito sobre política, sobre essa crise mundial, sobre como as pessoas reagem a isso”, define Rafael.

Sylvain George combina o olhar reflexivo de alguém que pensa muito antes de pegar a câmera, com a violência e a urgência de quem une militância e realismo documental. O cineasta desenvolveu sua própria forma de fazer cinema político, de trabalhar sozinho, perto da terra. Uma espécie de do-it-yourself em que a independência não é um rótulo, mas um princípio básico.

O Fronteira exibe o seu primeiro curta-metragem, bem como seus longas seguintes, e conta com a presença do próprio Sylvain em uma sessão comentada no dia 21 de agosto, no Cine Goiânia Ouro. Sylvain também ministra o Master Class “Memória que Queima”, dia 22, no Teatro Goiânia Ouro.

Machine Gun or Typwriter.
Machine Gun or Typwriter.

Com curadoria de Marcela Borela, Rafael C. Parrode (idealizadores do festival) e Toni D’Angela, coordenador da programação internacional do festival, a mostra Cineastas na Fronteira, que começa na sexta-feira, 21, traz três pequenos programas de autor que procuram reunir filmes de cineastas singulares, que exploram limites da linguagem, transitando entre suportes e materiais, produzindo percepções e narrativas únicas.
A Cineastas na Fronteira é outra mostra fixa do Fronteira e chega à sua segunda edição, apresentando os longas que compõem a Trilogia da Guerra do casal de italianos Ricci & Lucci, e os curtas do americano Lewis Klahr e do brasileiro Leo Pyrata.

No domingo, 23, após a sessão, Leo Pyrata participa de um debate com Ewerton Belico e Marcelo Ribeiro, da revista Incinerrante.
Submersão, engajamento sensitivo e uma espécie de confusão caracterizam a mostra, que é fortemente marcada pelo uso do found footage em diferentes atmosferas, contextos e sentidos políticos.

Criador e líder do Sistema CooperAção Amigos do Cinema, o goiano Martins Muniz tem parte de sua filmografia exibida no sábado e domingo, 22 e 23, na mostra “Cadmus e o Dragão – Martins Muniz e o Sistema CooperAÇÃO Amigos do Cinema”. Compondo um painel do início da trajetória do CooperAção, o Programa Cadmus e o Dragão é uma das mostras fixas do festival, e esse ano concentra seu foco sobre os primeiros trabalhos de Muniz assinados junto aos seus “Amigos do Cinema”. Muniz é um apaixonado por cinema que, mais do que apenas consumir, buscou meios para contar suas próprias histórias.

The Exquisite Corpus.
The Exquisite Corpus.

Utilizando um método autroproclamado artesanal e independente, não se submete aos ditames do mercado e flerta corajosa e despretensiosamente com os clichês dos tradicionais gêneros cinematográficos para ambientar no Cerrado suas narrativas. São filmes de baixíssimo custo produzidos a partir da ação coletiva de artistas amigos e simpatizantes. Muniz repreende quem queira atribuir a ele o mérito da realização do conjunto de filmes que dirigiu: “Eu não, é o grupo, é o Sistema CooperAÇÃO Amigos do Cinema”. Desse modo, ele reitera o fato de que ninguém produz no cinema sozinho, mas numa relação fundamentalmente coletiva.

Todos os filmes do cineasta goiano, que já fazem sucesso na internet, receberam legendagem em inglês para o festival. Muniz estará presente no Fronteira Festival para a exibição de seus filmes e um debate com o público. Durante o festival ele também estreia seu mais mais novo projeto– “Nó na Tripa”- primeiro em Full HD, que traz a participação do Fronteira Festival na produção.

O II Fronteira é realizado pela Barroca, co-realizado pela UFG através do FRESTAS – Programa de Artes Integradas (apoio do PROEXT MEC/SESu). Tem apoio institucional do Governo de Goiás, Secretaria da Educação, Cultura e Esporte de Goiás através da Lei Goyazes. Conta com a parceria da Prefeitura de Goiânia, da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia, do Centro Cultural Goiânia Ouro, do Sesc Centro e do Cine Cultura – sala Eduardo Benfica. O apoio da Cinemateca da Embaixada da França, do Institut Français e a colaboração de Balaio Produções Culturais também são fundamentais para realização desta nova edição.

Confira a programação completa do festival no www.fronteirafestival.com

Psychic Driving.
Psychic Driving.

Serviço: II Fronteira – Festival do Filme Documentário e Experimental
Data: De 20 a 29 de agosto
Local: Centro Cultural Goiânia Ouro e Cine Cultura – Sala Eduardo Benfica
Atividades de formação: Sesc Centro
Entrada franca
www.fronteirafestival.com